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Ainda vai havendo um ou outro jornalista com coragem neste país.
Talvez não cheguem a ser tantos quantos os dedos de uma só das mãos.
Mário Crespo é um desses.
Mário escreveu há alguns dias no JN mais um excelente artigo de opinião. Quero testemunhar-lhe o meu reconhecimento ao divulgar, tanto e como posso, o seu pensamento e coragem.
Aqui fica.
Opinião
O palhaço
2009-12-14
O palhaço compra empresas de alta tecnologia em Puerto Rico por milhões, vende-as em Marrocos por uma caixa de robalos e fica com o troco. E diz que não fez nada. O palhaço compra acções não cotadas e num ano consegue que rendam 147,5 por cento. E acha bem.
O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso. O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos. Seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no Parlamento, como um boçal nos conselhos de administração e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso, para ele, o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. E depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada.
Depois diz que quem viu o insulta. Porque viu o que não devia ver.
O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e que afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar.
E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável. Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. E continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples.
Ou nós, ou o palhaço.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
palhaços
Publicada por leunam-atab à(s) quarta-feira, dezembro 30, 2009
Etiquetas: coragem, liberdade de imprensa, opinião
adenda a outros natais
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Recebi uma mensagem do YOUTUBE a comunicar-me que o vídeo que acabara de enviar, e a que dei o nome de "memórias capítulo quarto", fora bloqueado. O facto, escreveram, estava relacionado com os direitos de propriedade da faixa de áudio, "Nwahulwana", cantada por Humberto Carlos Benfica, vulgo Wazimbo, que pertencem à Warner Music Group (WMG). Sabia que assim era, mas também sabia, porque ouvia e via, que a música está por variadíssimos sítios da NET. Respeito os direitos de propriedade. Percebo a WMG, mas não entendo. Não entendo que, quando não há desígnios interesses ou vantagens comerciais, nos seja coarctada a possibilidade de ilustrar um documento, uma tarefa ou ocorrência, com algo de que dispomos e que nos custou dinheiro. Eu comprei o CD e supunha que o direito a ouvir as músicas que o compõem, quando e onde quisesse, mas não.
A Youtube Team sugere e oferece nestas situações, a utilização de uma música alternativa de uso livre. Experimentei, mas não encontrei sintonia bastante para aceitar qualquer das sugestões. O vídeo, que foi absolutamente privado, é deveras pessoal, e pretende ser para além de um hobby uma recordação, uma narrativa de memórias dos moços, complexos e arriscados, anos de 73 e 74. Inclui elementos próprios e outros recolhidos da NET, ( como fotografias de pessoas e locais, de artesanato, de pintura e escultura), desde que, e porque, relacionados com sítios, gentes ou situações, que me foram ou estiveram próximas. Preferi, por esta ordem de razões, fazê-lo acompanhar de uma música original, nativa, que guardo desde esses tempos. Foi gravada por mim, ao vivo, para um barato gravador de pilhas com micro incorporado.
Interpretou-a um expansivo aldeão que dedilhava, com a mestria que só a experiência garante, um velho instrumento artesanal de apenas duas cordas, construído a partir de uma metade do que parecia ser uma abóbora ou cabaça. Não me lembra o nome do tal instrumento, assemelhado a um banjo, nem consigo datar a noite da gravação.
Recordo-me da velha mesa rectangular de madeira no centro da sala, e dos gastos bancos corridos que a ladeavam. Sobre ela espalhavam-se muitas e grandes garrafas de litro de cerveja a que chamávamos "bazucas", bem como os apetecidos bolos que a avioneta trazia regularmente de Tete, juntamente com o bem mais desejado de todos, o correio. O frigorífico, no canto superior direito da entrada e os cadeirões de verga alinhados junto às paredes, compunham o resto da mobília do compartimento.
Era uma noite quente. Uma quente noite africana como só ali acontecem. Foi diferente das outras, que eram sempre muito iguais, porque houve visitas e haveria música. E aconteceu tanta coisa, o convívio habitual, a cerveja e o bolinho, histórias, anedotas, patranhas, adivinhas, muita conversa e música. E foi assim, duma forma improvisada e rudimentar, que fiz o registo daquilo que hoje representa um pedaço do meu passado, e acabo de eleger, embora em segunda escolha depois de "nwahulwana", para banda sonora do vídeo, memórias capítulo quarto. Sei que não tem uma boa qualidade de audição. Ainda assim prefiro-a, por ser genuína, síncrona e pessoal.
Publicada por leunam-atab à(s) quarta-feira, dezembro 30, 2009
Etiquetas: memórias capítulo quarto, militar, natal memórias moçambique 2ª cart bart 6223
sábado, 26 de dezembro de 2009
outros natais
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Como vão longe esses tempos. Tempos de um outro tempo, que até do outro século.
Tempos de outras doutrinas, de outras normas, de copiosos sonhos e horizontes acanhados.
E como nós éramos tão moços e generosos, tão sonhadores e descuidados. Tanto que ainda víamos a adolescência escapar-se-nos na última curva, ali tão perto, do que ambicionávamos poder vir a ser uma duradoura estrada de vida. Como essa idade, de preocupações e obrigações poucas, é prazenteira. Que breve é a mocidade moça.
A vida é um processo, é um rio de vários caudais que não param, nunca param. E se uns correm sedutores e proveitosos, outros haverá menos amigos ou até constrangedores. Recém-entrados na juventude, logo nos colocavam na linha da frente duma guerra que não era nossa, e que também por isso não queríamos, mas padecemos. Não a queríamos por isso, e porque a juventude sempre é livre e libertária, altruísta, generosa e solidária. Inexperiente também, porquanto ainda em início de construção e formação. Poder(ia)á ser de outro modo, quando o seu passado abrang(ia)e apenas uns sumários e inocentes vintes anos?
Passei, em situação de guerra e por imposição, parte da minha juventude em África. Foi, do rio da minha vida, o trecho de caudal mais difícil, incerto e inseguro. Custoso até, talvez. Mas nunca foi sofrido; tive a sorte de ter estado em (na) boa (2ª) COMPANHIA.
Eu era ainda um "menino", com corpo de homem, a quem uma instrução de seis breves meses destinou estranhas obrigações e responsabilidades, militares. Cumpri, umas e outras, com lealdade e com honra. Em paralelo, as amizades que fiz documentam e testemunham o respeito do, e pelo, "adversário".
Tudo isto me transporta às muitas recordações e saudades que tenho de Moçambique. Lindas.
Se é quimérico eliminar o passado, renunciar à felicidade é anómalo.
Por isso, Moçambique faz parte de mim, do meu passado, está nas minhas memórias. Jamais poderei esquecer a sua geografia física e humana, a sua fauna e flora; as tradições, gastronomia e artesanato, as danças e a música, a pintura e a escultura. Tanta realidade, tanta recordação.
Também Zeca Afonso andou por Moçambique. Esteve, entre outras, na cidade da Beira, onde deu aulas. Zeca disse:
"Custou-me muitíssimo ir para África, mas hoje não estou nada arrependido".
"Fiquei terrivelmente ligado àquela realidade física que é a África, aquilo tem de facto qualquer coisa de estranho, uma força muito grande que nos seduz".
"O meu baptismo político começa em África. Estava a dois passos do oprimido".
Caminhamos estes lugares em condicionalismos e épocas diferentes. Ainda assim, creio poder dizer que compreendo o sentido das palavras ditas pelo Zeca. Também eu "fiquei terrivelmente ligado".
Por isso, este pedaço de memórias, este memórias capítulo quarto, para demonstrar e documentar a minha nostalgia, e partilhá-la com aqueles que, tal como eu, guardam saudades daqueles tempos, daqueles sítios, e do Natal de 1974. O meu abraço para todos e cada um desses jovens velhos amigos, os "bravos e sempre leais" da 2ª CART do BART 6223, de quem verdadeiramente muito me orgulho.
Publicada por leunam-atab à(s) sábado, dezembro 26, 2009
Etiquetas: natal memórias moçambique 2ª cart bart 6223