sábado, 31 de janeiro de 2009

Era uma vez ..........

Assim começava a minha avó, a minha saudosa e querida avó materna, as primeiro suas, mas depois nossas histórias e lendas, com as quais eu partia, quase todas as noites, para o mundo dos sonhos. Fazia-o com a melhor ternura e a mais infinda paciência. Que saudade! Quantas vezes me fiz desperto, embora mortinho de sono, só para a ter junto a mim um pouco mais, e adormecer prazenteiro ao som da sua vozita suave e doce. Cheguei a pensar que as histórias começavam todas assim, tal era a humanidade que ela punha naquele seu “era uma vez” .

Quero crer que todas as avós têm carinho pelos netos. Só tenho razões para pensar e acreditar que assim é. Mas eu não sei se um dia serei tão avô quanto avó ela foi. Não sei se a conseguirei semelhar. Uma coisa eu sei, sei que a não acompanharia, quer em paciência quer em meiguice. E não possuo o seu génio, nem a sua austeridade. Ela deve ter-me consentido muitos “mimos”! Mas também me conferiu valores, sentimentos e afectos na proporção necessária a um bom pai de família. E quando me vejo ao espelho lá está reflectido o seu carácter, dignidade, lealdade e fraternidade de que muito me orgulho.
No seu metro e sessenta, foi uma pequena grande mulher.

Os vizinhos chamavam-na de “ ti Maria da Rosa”, e também assim passou a ser denominada, carinhosa e respeitadamente, até pelos estranhos mais estranhos. Eram deste modo as comunidades rurais, simples, informais e solidárias. A emigração alterou-as e a globalização está a descaracterizá-las. E não era assim tão pequena a nossa comunidade. E não eram fáceis os tempos, nesse tempo, razão primeira para a forte componente de trabalho colectivo existente nas relações sociais de produção do nosso burgo. O país sofria o pino da emigração, sobretudo para França, e a minha terra, o meu Soajo, que desde sempre fora, e ainda é, terra de emigrantes, não escapou a mais uma sangria dos seus braços mais válidos.

A minha avó era uma mulher determinada. Ficou viúva muito nova, com três filhos menores, duas raparigas e um rapaz, e logo teve de superar o prematuro desaparecimento do filho varão, que na sua profunda religiosidade ela dizia ter sido chamado pelo Senhor. Fora-o tão prematuramente que ainda não tinha idade para poder ser chamado pela Pátria. O sofrimento e a dor foram indizíveis. Mas a adversidade revelou uma mulher de coragem e de perícia. E quão necessárias foram!

Não se deixou abater. Dirigiu toda a energia e capacidade de trabalho para o bem-estar da família. Administrou o seu mundo, suplantou adversidades, viu a família crescer e granjeou o respeito da comunidade. Foi mãe e fez de pai.
Ela dizia que:
“se um homem não chora, uma mulher não dorme”.
Acho que só muito tarde lhe entendi este pensamento. E só muito tarde esclareci porque uma mente ainda tão jovem pertencia a um corpo tão débil e esgotado.
O seu rosto cansado e enrugado, mas tão tranquilo e meigo, mora ainda nos meus olhos.
A alma mora lá no céu com o seu Senhor, que a chamou antes que completasse noventa e dois invernos.
Cá na terra, todas as noites, eu continuo a adormecer ouvindo-a:
“ Era uma vez, …… era uma vez, ……… era uma vez………………………….”.