sábado, 26 de dezembro de 2009

outros natais

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Como vão longe esses tempos. Tempos de um outro tempo, que até do outro século.
Tempos de outras doutrinas, de outras normas, de copiosos sonhos e horizontes acanhados.
E como nós éramos tão moços e generosos, tão sonhadores e descuidados. Tanto que ainda víamos a adolescência escapar-se-nos na última curva, ali tão perto, do que ambicionávamos poder vir a ser uma duradoura estrada de vida. Como essa idade, de preocupações e obrigações poucas, é prazenteira. Que breve é a mocidade moça.

A vida é um processo, é um rio de vários caudais que não param, nunca param. E se uns correm sedutores e proveitosos, outros haverá menos amigos ou até constrangedores. Recém-entrados na juventude, logo nos colocavam na linha da frente duma guerra que não era nossa, e que também por isso não queríamos, mas padecemos. Não a queríamos por isso, e porque a juventude sempre é livre e libertária, altruísta, generosa e solidária. Inexperiente também, porquanto ainda em início de construção e formação. Poder(ia)á ser de outro modo, quando o seu passado abrang(ia)e apenas uns sumários e inocentes vintes anos?

Passei, em situação de guerra e por imposição, parte da minha juventude em África. Foi, do rio da minha vida, o trecho de caudal mais difícil, incerto e inseguro. Custoso até, talvez. Mas nunca foi sofrido; tive a sorte de ter estado em (na) boa (2ª) COMPANHIA.
Eu era ainda um "menino", com corpo de homem, a quem uma instrução de seis breves meses destinou estranhas obrigações e responsabilidades, militares. Cumpri, umas e outras, com lealdade e com honra. Em paralelo, as amizades que fiz documentam e testemunham o respeito do, e pelo, "adversário".

Tudo isto me transporta às muitas recordações e saudades que tenho de Moçambique. Lindas.
Se é quimérico eliminar o passado, renunciar à felicidade é anómalo.
Por isso, Moçambique faz parte de mim, do meu passado, está nas minhas memórias. Jamais poderei esquecer a sua geografia física e humana, a sua fauna e flora; as tradições, gastronomia e artesanato, as danças e a música, a pintura e a escultura. Tanta realidade, tanta recordação.
Também Zeca Afonso andou por Moçambique. Esteve, entre outras, na cidade da Beira, onde deu aulas. Zeca disse:

"Custou-me muitíssimo ir para África, mas hoje não estou nada arrependido".
"Fiquei terrivelmente ligado àquela realidade física que é a África, aquilo tem de facto qualquer coisa de estranho, uma força muito grande que nos seduz".
"O meu baptismo político começa em África. Estava a dois passos do oprimido".

Caminhamos estes lugares em condicionalismos e épocas diferentes. Ainda assim, creio poder dizer que compreendo o sentido das palavras ditas pelo Zeca. Também eu "fiquei terrivelmente ligado".
Por isso, este pedaço de memórias, este memórias capítulo quarto, para demonstrar e documentar a minha nostalgia, e partilhá-la com aqueles que, tal como eu, guardam saudades daqueles tempos, daqueles sítios, e do Natal de 1974. O meu abraço para todos e cada um desses jovens velhos amigos, os "bravos e sempre leais" da 2ª CART do BART 6223, de quem verdadeiramente muito me orgulho.