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opinião
no correio da manhã, 07/10/2010
Por: Rui Rangel, juiz desembargador
Estado das Coisas
Porquê?
O que há para comemorar nestes cem anos da República? Nada. De que se devem orgulhar os portugueses que, com o seu suor e trabalho, lutam diariamente para levar para casa o mínimo de rendimento que lhes garanta o sustento e a sobrevivência do seu agregado familiar? Que olhar podem ter as pequenas e médias empresas para os gastos avultados com as comemorações da República, quando todos os dias muitas delas abrem falência, lançando no desemprego centenas de trabalhadores?
Que República é esta que trata os seus filhos de forma desigual e assiste da bancada vip ao crescimento da pobreza, da miséria e do desemprego. Que consente que os ricos estejam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Que República é esta que está a liquidar, sem dó nem piedade, a classe média. Que é corrupta, opulenta nos gastos, que está gorda e anafada nos proveitos que retira ilicitamente só para alguns.
Quem são os filhos legítimos desta República? Não são os portugueses honestos, probos, que não vivem dos tachos e debaixo do manto da senhora protectora. São aqueles que lhe sugam o sangue, que estão na rede clientelar e que se aproveitam das suas fraquezas e debilidades, para os seus interesses pessoais ou de grupo.
São estes que têm que pagar a crise resultante da enorme incapacidade e irresponsabilidade dos "donos" da República. A nossa República democrática está prisioneira dos grandes lóbis financeiros e do modelo partidário que temos. No bojo da República, apesar da liberdade, valor estimável e inegociável, do hino e da bandeira, repousam a mentira, as vigarices, a corrupção e o tráfico de influências.
A sorte (ou o azar de tudo isto) é que os portugueses, seja por ignorância, seja por falta de consciência cívica, não têm a mínima noção das negociatas e dos interesses que a democracia republicana tem consentido aos seus "donos". Ela está exaurida, agora, ao que se sabe, em rendimentos e há muito em valores.
Sem dúvida que as questões simbólicas devem ser recordadas e invocadas. Mas só aquelas que são motivo de orgulho nacional. Pouco ou nada nos orgulha no trajecto da República, quer no 5 de Outubro, quer na ditadura republicana, quer na democracia republicana.
Comemorar a República ao mesmo tempo que se pede aos portugueses que abdiquem de viver com dignidade, que deixem os seus filhos passar fome e que entreguem o produto do seu trabalho ao governo ou é falta de vergonha ou é não ter um pingo de dignidade.
Discursos bonitos, passadeiras vermelhas, desfiles de barriga cheia e com contas bancárias recheadas não dá mais.
Os cem anos da República deviam ser solenizados com melhor saúde, melhor ensino e educação, melhor justiça (a morosidade da justiça tem mais de cem anos), melhor Estado social, melhor distribuição da riqueza, mais empregos e com incentivos ao crescimento da economia.
E não penalizando, com aumentos de impostos, com cortes nos salários e nas pensões sociais.
O luto é que devia ser a marca indelével das comemorações da República, assinalando a incompetência de quem nos tem governado, as medidas injustas de austeridade impostas, a depressão e a quebra de auto-estima que está instalada nas pessoas.
E não adianta os "donos" da República dizerem, com um ar maquiado de sofrimento, que lhes custa tomar estas medidas de austeridade. A quem custa é às pessoas, já com tanto sofrimento e dor e com uma carga social sobre as costas desumana.
sábado, 9 de outubro de 2010
centenário da República
Publicada por leunam-atab à(s) sábado, outubro 09, 2010
Etiquetas: opinião comemorações 05 de outubro