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“A casa da saudade chama-se memória:
é uma cabana pequenina a um canto do coração.”
Henrique M. C. Neto
Um conto do 1º de Abril
Duarte Nuno acordou cedo. Alongou as pernas, esticou os braços e bocejou preguiçosamente.
A noite estava escura e pelos seus cálculos a manhã ainda tardaria. A mudança da hora que há quatro dias acontecera ainda lhe fazia alguma confusão. Os olhos continuavam fechados, teimando em não abrir, mas o sono já se fora. A cabeça era um remoinho de fantasias, sonhos, desejos e conjecturas, tão próprios da sua idade. Duarte era um jovem moreno, de cabelos compridos e penetrantes olhos castanhos. Tinha um bom desenvolvimento físico para a idade. Todos lhe davam mais do que os dezasseis anos, que afinal ainda iria completar no domingo a seguir à Páscoa. Na verdade conseguia mesmo aceder aos filmes para maiores de dezoito anos, num tempo de forte escrutínio de tais entradas. Confessava-o, vigorosa e briosamente.
De supetão descobriu-se, atirou com a roupa e saltou da cama. O rosto exibia um sorriso malandro e o sangue fervilhava-lhe nas veias, nas artérias, e em tudo que era sítio de passagem do mesmo. Sim, por aí também! Pensava na Maria Teresa. Lembrara-se do encontro que tinham acordado. Não podia chegar atrasado. Tinha de chegar a horas. Tinha de chegar primeiro que ela. Tinha de ser ele a esperá-la e não permitir que o contrário acontecesse. Duarte não pensava, devorava intenções. Na sua cabeça aconteciam, iam e vinham, os mais disparatados e desencontrados pensamentos. Duarte estava apaixonado! Duarte acreditava no primeiro amor, num amor único e eterno.
Lavou a cara de uma vez só e escovou freneticamente os dentes. Vestiu os jeans e a t-shirt que a mãe havia lavado para a missa do domingo, e pôs perfume pelo corpo todo. Fez tudo com o maior silêncio que lhe foi possível, não fossem os pais acordar e interrogá-lo sobre a razão de tal janotice e alvorada.
Maria Teresa era uma linda rapariga. Era a sua princesa. Era o sonho nos sonos de todas as suas noites. E dias! Fora já Deusa mística, espiritual, nos seus secretos orgasmos. Duarte só tinha olhos e pensamento para ela. E ela merecia. Era inteligente, alegre e meiga. Tinha uma elegância discreta e natural que combinava bem com o seu corpo delicado. Correspondia aos seus amores com contida emoção e sabido recato. Soube seduzi-lo, sabia incendiá-lo, saberia contê-lo?
“Havia um fogo a arder que não se via……”
Até quando estaria(m) disposto(s) a retardar a extinção desse fogo que o(s) consumia e atormentava?
Duarte queria sabê-lo. Queria saber porque se mortificava, ou o mortificava ela, tanto. Que força estranha era essa que lhe tirava o sono, que o adoentava. Estaria assim tão debilitado?
Por isso este encontro era para ele tão necessário.
Duarte chegou ao local combinado. Foi o primeiro a chegar, como fora seu desejo.
Isso lhe deu tempo para, de olhos fechados, pensar, congeminar, profetizar. Imaginou-a pelos céus juntamente com as outras estrelas. Sonhou-se no paraíso como e com outros bem-aventurados. Esperou por ela. Estava feliz. Diz-se que ninguém gosta de esperar, mas ele estava ali sem enfado, com gosto. E esperou. Por este amor faria tudo. Este amor levá-lo-ia ao fim do mundo! Com este amor esperaria pelo fim do mundo!
E esperou………Esperou……...
Maria Teresa não apareceu.
Maria Teresa emigrara para França, nesse madrugada,
com os pais e o irmão.
Duarte nunca chegou a saber se em Pisqueiras havia petróleo! Sabe, de certeza certa, que Pisqueiras mora ainda na sua "cabana pequenina" .
música da Galiza: maria soliña
quarta-feira, 1 de abril de 2009
Há Petróleo Em Pisqueiras
Publicada por leunam-atab à(s) quarta-feira, abril 01, 2009
Etiquetas: contos de Abril emigração saudade